Portuguese Translation of A Perspective on Today’s ABA by Dr. Hanley

See below for a Portuguese translation of Dr. Hanley’s essay on today’s ABA. Please also find a PDF of this translation here.

Thanks to Felipe Magalhães Lemos and Mariana Chernicharo Guimarães for translating the text and for helping FTF to continue its mission of international dissemination of the PFA/SBT process.

Uma perspectiva sobre a ABA contemporânea por Dr. Hanley

Essa é a ABA contemporânea ao iniciar a terapia com uma pessoa autista, especialmente aquela que se envolve constantemente em comportamentos-problema.

A ABA contemporânea (análise do comportamento aplicada) tem como foco o contínuo aprendizado sobre as preferências da pessoa autista em atendimento, para que os contextos preferidos de aprendizagem possam ser desenvolvidos e direcionados para o desenvolvimento de habilidades que possam ser valiosas tanto pela pessoa autista quanto por outros. O que se segue é um guia para quem utiliza a ABA atual, mas que foi escrito para aqueles que estão curiosos sobre o que de fato é ABA contemporânea.

Aprenda ouvindo

Pergunte à pessoa autista e/ou pergunte às pessoas que conhecem e amam a pessoa autista sobre o que ela ama e odeia. Verifique realmente o que a pessoa autista ama, odeia e é indiferente em relação às atividades, objetos, móveis, contextos e, principalmente, interações sociais. Pergunte aos cuidadores da pessoa autista como ela comumente se comunica? E, especialmente, o que eles estão comunicando com seu comportamento-problema? Ou seja, a ABA contemporânea começa com fazer perguntas, ouvir e aprender sobre a pessoa autista por pessoas que a amam e a conhecem.

Aprenda criando alegria.

A partir dessa conversa, crie um contexto em que a pessoa autista ficará feliz, relaxada e engajada, um contexto em que se sentirá segura e no controle. Enriqueça esse espaço com todos os objetos e atividades que elas amam. Não seja mesquinho com as coisas – quanto mais, melhor. Certifique-se de incluir todas as coisas que elas perderam no passado porque eles não conseguiam lidar com sua remoção ou porque elas engajavam com essas coisas de maneiras únicas, estigmatizantes ou disruptivas.

Não restrinja de nenhuma forma alguma sua liberdade de fazer algo ou de se mover. Mantenha a porta aberta. Sigam sua liderança física e em suas conversas. Deixe a pessoa autista trazer outros materiais para esse contexto, remover materiais desse contexto, reposicionar objetos e pessoas nesse contexto, e essencialmente redesenhe o contexto com quaisquer ações ou palavras.

Certifique-se de criar sinais claros de sua submissão (ou seja, remova todos os sinais de dominância — estando muito perto ou ficando em pé acima deles). Durante esse tempo, evite todos os redirecionamentos, ajudas, ensinos, questionamentos e expansão da linguagem. Esteja 100% disponível para a pessoa autista, mas não faça nenhuma pequena contribuição a menos que seja solicitada. Não faça elogios a menos que a pessoa autista inicie uma interação compartilhando o que está fazendo ou se fez algo com você e você está realmente impressionado. Não supervisione a experiência; compartilhe da experiência sem direcioná-la de nenhuma forma.

Responda a todas as tentativas de comunicação – isso acontecerá assim que você parar de tentar liderar a situação. Ajude-os, por exemplo, não quando eles estão tendo dificuldades, mas quando

eles indicam que gostariam de ajuda. Seja sincero em suas tentativas de ajudar mesmo quando você não tiver certeza de como fazê-lo. Não deixe que qualquer comportamento em relação a você seja ignorado; reaja ao comportamento deles de maneira normal e não tente sugerir a próxima interação — deixe que eles liderem.

Continue revisando o contexto e sua forma de interação até que a pessoa autista não queira estar em nenhum outro lugar, exceto lá. Deixe que elas te mostrem o que eles querem fazer ou aonde eles querem ir. Além de ser respeitoso e evitar um manejo físico lamentável, permitir que eles saiam do espaço fornece boas informações. Sair significa que algo importante está faltando ou algo aversivo está presente. Continue trabalhando na construção e refinamento.do contexto até que a pessoa autista esteja feliz, relaxada e engajada por um longo período. Reconheça que parecer feliz, relaxado e engajado pode ser diferente para cada pessoas autistas, por isso é essencial que alguém que conheça e ame a pessoa autista esteja presente nesta e na próxima etapa do processo.

Em resumo, ensine a pessoa autista que você a conhece, você a vê, você a ouve, e que você está lá para ela. Esse é o primeiro e crucial passo na ABA contemporânea.

Aprenda empoderando.

Depois de estar confiante de que você pode criar um contexto seguro e envolvente e que não há nenhuma probabilidade de que qualquer comportamento-problema severo ocorra nesse contexto, é hora de empoderar a pessoa autista ainda mais e estabelecer uma relação de confiança entre vocês. Comece por sinalizar claramente que as condições predominantes estão prestes a mudar, e para pior, mas seja claro e gentil sobre isso. Através de ações e palavras normais, deixe claro para a pessoa autista que você gostaria que ela parasse o que está fazendo, colocasse seus materiais de lado, se movesse em uma direção diferente, inibisse qualquer comportamento auto estimulatórios e transitasse para uma área em que instruções/expectativas desenvolvimentalmente apropriadas começarão. Certifique-se de que essa área com expectativas altas esteja deixada de lado até certo ponto e seja preenchida com todas as atividades desafiadoras e expectativas informadas por aqueles que conhecem e amam essa pessoa autista como importantes para o seu desenvolvimento.

Se a pessoa autista mostrar algum sinal explícito de angústia, desconforto ou protesto na forma de um comportamento-problema leve ou severo enquanto muda da “vez dela” para a sua vez*, reconheça isso imediatamente e ceda. Deixe a pessoa autista voltar a ter acesso a “vez dela” e volte a liderar até que ela volte a estar feliz, relaxada e engajada por um curto período. Repita esse processo até que fique óbvio que a pessoa autista está empoderada e entende que não precisa fazer coisas contra sua vontade, e que não precisa escalar o comportamento-problema para escapar ou evitar coisas que ela não quer, ou ainda para obter as coisas que ela quer. Ensine-os que você os vê, os ouve e os entende ainda melhora agora, apesar de as vezes haver falta de precisão ou aceitação geral de sua comunicação.  Ensine-os a confiar em você.  Neste período, seja claro, fique alerta, seja rápido e seja consistente. A partir dessa redefinição da relação, você eventualmente restaurará o equilíbrio e poderá reintroduzir a ambiguidade e os desafios da vida sem que o comportamento-problema retorne.

Aprenda enquanto ensina.

O caminho para um estilo de vida feliz para famílias de pessoas autistas é pavimentado com habilidades. Os grandes pavimentos são habilidades de brincar/lazer, comunicação, tolerância e cooperação. Uma vez que esses são aprendidos, os caminhos de ramificação são infinitos. O processo da ABA contemporânea continua substituindo o comportamento revelado na fase de empoderamento por um mais adaptado que será mais bem recebido por outros. O processo envolve em introduzir gradualmente a ambiguidade assim que a nova habilidade de comunicação estiver funcionando e ir ampliando os períodos de cooperação. O ritmo e os objetivos desse processo de tratamento são continuamente informados pelo feedback fornecido pela pessoa autista, ambos em termos do que ela diz e faz. Já se foram os dias em que se trabalhava com comportamentos-problema e respostas emocionais negativas — esses são indicadores de que o processo de tratamento precisa ser ajustado, e não na reunião de equipe, mas naquele momento.

Esse processo de tratamento é aquele em que ponto de partida é uma pessoa autista feliz, relaxada e engajada. As posições de “eu te vejo”, “eu te ouço”, “eu te entendo”, e “eu estou aqui para você” devem persistir durante todo o processo. É preciso repetir que não há obrigação de ensinar enquanto as crianças estão chateadas de qualquer forma ou sob qualquer coação. Esforços apressados para promover a conformidade ou determinar o status de desenvolvimento de uma pessoa autista não são defendidos neste processo. O que é defendido é estabelecer confiança, engajamento, autenticidade e empoderamento. Segue-se a cooperação em experiências compartilhadas. Reconhece-se que nesse processo as habilidades serão aprendidas tanto durante momentos de liderança pelo terapeuta, professor e pais, como durante os momentos em que a pessoa  autista está liderando. Também é reconhecido o entendimento de que a avaliação do desenvolvimento é melhor  realizada uma vez que a confiança e a persistência em tarefas difíceis forem estabelecidas.

A ABA contemporânea é orientada por traumas*. Presume-se que qualquer pessoa sob o cuidado de um analista de comportamento para tratamento de problemas de comportamento tenha experienciado múltiplos eventos adversos, com muitos excedendo os critérios para reconhecer que o trauma foi experimentado. Ao aprender através da escuta; enriquecendo contextos terapêuticos; construindo e mantendo a confiança; seguindo a liderança da pessoa autista; contando com contextos personalizados nos quais as pessoas estão felizes, relaxadas e engajadas; ouvindo tentativas de comunicação; ao não trabalhar as pessoas por descumprimento ou coação emocional; permitindo que as pessoas se afastem; tomando decisões com base no desempenho; e ensinando com alegria; a ABA contemporânea é orientada por traumas.

Reflexões Finais

Nosso mundo, nosso país, e sim, nosso pequeno campo de ABA estão em suas próprias encruzilhadas. A hora de reconsiderar o status quo é agora, seja tão mundano como trabalhar em um escritório e socializar em restaurantes ou tão profundo quanto desmantelar o racismo sistêmico. Nossos problemas em ABA estão em algum lugar no meio disso, mas eu ouso dizer que nossas questões compartilham desafios associados a voltar ao trabalho no meio do coronavírus e abordar injustiças com determinados grupos de pessoas, especialmente para pessoas negras na América.  Vamos aprender com os outros, especialmente com os especialistas em políticas

públicas de saúde, direitos humanos e justiça criminal à medida que trilhamos nosso caminho. Mas não podemos esperar mais para estar do lado certo da história.

Nós não temos como objetivo dominar, mas diminuir a escalada ou, melhor ainda, prevenir a escalada do comportamento-problema em primeiro lugar. O nosso objetivo não é coagir (obrigado Murray Sidman!) mas ouvir, aprender, guiar e treinar. O nosso objetivo não é redirecionar, conter ou simplesmente gerenciar e modificar. O nosso objetivo é entender, compartilhar e moldar. O nosso objetivo é priorizar a segurança, a harmonia e a dignidade do que fazemos acima de tudo. Provamos que resultados significativos podem ser atingidos quando priorizamos essas ações (veja www.practicalfunctionalassessment.com).

Para aqueles que não reconhecem isso como ABA ou que desprezam completamente ABA: Eu ouço você e entendo de onde vem a confusão ou o ódio. Eu reconheço que a nossa área tem sido associada a erros em sua jornada para ajudar pessoas autistas e membros de populações que carecem de atendimentos (ou seja, pessoas com deficiência intelectual). Nossas tentativas coletivas de ajudar são melhores agora do que eram antes, e tanto a pesquisa quanto a prática me revelam que os analistas de comportamento estão continuamente melhorando. Eu também reconheço que a melhoria não é inevitável apenas porque adotamos uma forma de método científico. Desde que a ABA existe, movimentos baseados em valores foram deixados de lado em nome da ciência. Esta é uma verdade triste e desagradável, mas uma verdade que está ao nosso alcance para ser alterada se ouvirmos as vozes dissidentes que foram marginalizadas por muito tempo.

A ABA tem o potencial de causar o trauma, e tem o potencial de aliviar o trauma. Eu não quero esperar que um incidente horrível seja registrado para que mudanças fundamentais ocorram. Eu tenho tentado corrigir meus erros e melhorar a maneira como faço ABA através de pesquisa, prática autêntica, consultoria e, principalmente, ouvir outras pessoas fora da minha zona de conforto por muitos anos. Não vou inventar desculpas para o meu comportamento ou o de outros analistas do comportamento. Eu simplesmente peço desculpas. Peço desculpas por não fazer mais, dizer mais, forçar mais ou interromper mais. Considere isso um passo na direção da autoconsciência, melhoria, transparência, responsabilidade e um compromisso óbvio de proteger os direitos das pessoas a quem servimos. Espero que você se junte a mim nesta caminhada acelerada em direção a uma ABA mais perfeita para ajudar famílias de pessoas autistas cujas vidas são negativamente afetadas pelos comportamentos-problema.

* Agradeço ao Dr. Anthony Cammilleri por suas sugestões e incentivo a respeito deste documento.

** Agradeço a Felipe Magalhães Lemos e a Mariana Chernicharo Guimarães por traduzirem o texto e por ajudar a FTF a continuar trabalhando na missão de divulgação internacional do processo PFA/SBT.